Luis Fernando
Leito numero 8
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Não sinto pena nem misericórdia, um dia tem que chegar. Muitos olhinhos sobre camas que cercava o leito da enfermaria, vermes sentiriam pena.
Aonde eu vivo muitos me consideram lixo ou qualquer coisa impura que não tem sentimentos. Para que sentir isso? Meu trabalho é muito intenso para perder tempo com tolices.
No leito número oito, avistei uma cadeira que estava do lado do garotinho que repousava.
Ele estava acordado. Era meia noite. Sentei ao lado dele, não olhei para seu rosto. Peguei um jornal que estava dentro do meu casaco, abri e comecei a ler. A criança de olhos castanhos claros me observava, tinha uma mangueirinha que entrava em seu nariz para mantê-lo vivo, estava careca e não parava de me olhar, até que após alguns minutos ele falou comigo.
— Senhor, eu tenho pesadelos todas as noites. – disse bem baixinho.
Permaneci calado lendo meu jornal.
— Moço, pode me contar uma historia? – novamente sussurrava.
Continuei ignorando. “Até parece que ia perder meu tempo com uma criança tola.”.
— O mundo calou para mim, o senhor também vai calar? – dessa vez falou um pouco mais alto.
Tenho que admitir, para um garotinho de seis anos ele falava muito bem, mas não me comovia nem um pouco.
— Meu nome é Leonardo. Como o senhor se chama? – mostrava os dentes com um sorriso amarelo.
— Meu nome não te interessa, agora durma. – era grosseiro mesmo, porque acha ruim? Não ligo para nada.
— Senhor Meu nome não te interessa, eu fecho meus olhos para dormir, logo que adormeço aparece uma sombra e começa a correr atrás de mim. Sabe como consigo dormir em paz? – novamente o garoto sorria.
— Se te contar você cala essa boca e vai dormir? – estou louco falando com um pivetinho doente, como posso me rebaixar a esse ponto.
— Acho que não falo dormindo. – disse agora parecendo mais triste e pálido.
— Vá dormir pensando em algo que você deseja, que nunca teve. Quando cair no sono vai sonhar com isso. Agora durma. – passei dos limites, cada uma, daqui um dia vou adotar um cachorro, a que ponto eu estou chegando.
_2_
Leonardo andava sobre o carpete azul, sua cor favorita. Ao seu redor várias crianças. Um parque predominava naquele lugar, um riacho de pirulitos, e uma fonte de chocolate, alem de vários carrinhos, bonecas, gritos, sorrisos, canto, era belíssimo. Filhotes de leões brincavam com as crianças, os personagens dos desenhos animados ganhavam vida, Pernalonga e Patolino aprontavam suas peripécias. Tom continuava a correr atrás de Jerry, e as crianças riam como nunca.
O gaguinho contava uma historia hilária. Papai Noel conversava com o Corcunda de Notredame, enquanto Saci pulava corda junto com a Branca de Neve.Chapeuzinho vermelho abraçava o pica-pau, e o Menino de Lata discutia com a Formiga Atômica. Nunca tinha visto tanta alegria.
Ao longe avistava a fantástica fábrica de chocolate e também o sitio do Pica-pau Amarelo, mais perto Mickey mouse mostrava Disney Word.
Leonardo subiu em um dos balanços que ali tinha, e a princesa Fiona começou a lhe balançar, logo depois correu para a cachoeira de pirulitos, nadou sobre o sabor de morango e uva. Mais tarde brincou de pique - esconde com a turma da Mônica e várias crianças.
Depois montou nas costas do Dumbo e voou junto com a Sininho e Peter Pan.
Mas depois de algumas horas de brincadeiras e alegrias, Leonardo percebe que tudo ao seu redor se escurece, as nuvens se fecham, o belo se torna dor, a tristeza supera a alegria, o imaginário perde a vida.
Forma-se em sua frente uma sombra grande, parecia de um homem, e até pela sombra se mostrava repugnante. O menino não pensou duas vezes: começou a correr. Atrás escutava passos gigantescos que parecia estar mais perto dele. No meio da escuridão um buraco de luz se abriu no chão e Leonardo pulou.
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Novamente o moleque acordou. Saco! Minha leitura estava ótima! É melhor parar de ler que esse pivete vai começar a conversar.
— Eu pensei que ia dar certo, mas novamente o monstro voltou a correr atrás de mim. – o menino estava pálido e começou a escorrer lágrimas.
— Porque não luta com o monstro? É tão covarde assim? – Perguntei asperamente.
— Mas ele é muito grande. – disse novamente chorando.
— Dê um nome a ele, pense em uma espada e comece a luta, não pense que vai perder, tenha coragem que você vence. – maldição! O que esta desgraça desse menino tinha de especial que mexia comigo?! Estou perdendo meus dons, tenho que aposentar.
O menino olhou para mim mais uma vez.
— Obrigado. – sorriu para mim, virou para o outro lado da cama e voltou a dormir.
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Uma floresta encantada. Ali estavam as pessoas que ele mais amara. Seu tio Marcos, sua mãe Cláudia, seu irmão já falecido André, e mais alguns amigos que ficava naquele hospital, como o querido Doutor Moura. Eles cantavam e dançavam. Até que dessa vez, mais rapidamente surge a escuridão e o mostro.
Leonardo fecha os olhos, pensa em uma espada, como mágica aparece uma graciosa em suas mãos. A imagem do monstro se forma em sua frente, sua face era do lobo mau, seus braços eram de bruxa, tinha uma calda de dragão, e suas pernas eram de um gigante.
—Você perdeu Senhor Câncer! – disse sorridente.
—Então vamos ver. – uma voz autoritária saía da boca daquele monstro.
Leonardo corre de encontro ao monstro com sua espada, mas o mostro o joga para longe.O menino é rápido e não teme o Câncer. Infelizmente a doença era destemida e ameaçadora, tirou a espada da mão da criança e cravou em seu fígado. O maldito câncer havia vencido. Com seu rosto de lobo, o monstro lambe a face do garoto até sair uma secreção azul.
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Eu abria minha pasta agora e guardava meu frasquinho azul, ainda tinha muito serviço pela frente. A noite era grande naquele lugar. Tinha ainda que trabalhar mais, não via a hora de me aposentar desse serviço. Olhei uma última vez para o garoto que estava pálido como nunca antes, e não respirava ou dava qualquer reação de vida. Sorridente, peguei nas pequenas mãos de Leonardo e desejei: “Feliz Dia das crianças”.
Luis Fernando