Pedro Viana
A espera pelo fim
Os corredores da casa estavam vazios. Não se ouvia nenhum som. A alegria que um dia aquele lugar teve havia ido embora fazia muito tempo. Todas as portas e janelas que davam para o lado de fora estavam trancadas, exceto uma, a porta da varanda do segundo andar. Na varanda estava sentado o homem observando o sol se pôr nas montanhas pela última vez. Estava vestido para suportar um longo frio que nunca veio, usava um cachecol preto e um casaco de pele de urso importado. Acendeu seu charuto e observou os últimos raios de sol se deitarem no berço da linha do horizonte.
Anoitecera. Por longas e tortuosas horas ficou sentado fumando e pensando. Há exatamente cinqüenta dias e quarenta e nove noites o oncologista lhe dissera que um tumor maligno afligira seu cérebro e nada mais lhe restava a não ser cinqüenta dias de vida. O homem tentava entender por que azar do destino tinha caído em tal maldição. Trinta anos era um tempo de vida curto para um homem.
Levantou-se e entrou em casa. Trancou a porta que dava para o exterior e avançou pelo escritório. Papéis estavam empilhados sobre as escrivaninhas e livros jogados pelo chão. Foram muitos anos dedicados ao estudo, outros muitos anos dedicados ao trabalho, e tudo para acabar trancado dentro de casa. Saiu do escritório.
Ao andar pelo corredor entrou no quarto e viu a cama desarrumada. Dobrou os cobertores e ajeitou o lençol, deitou-se. Aproximou seu celular e viu a triste sina que carregava: ninguém havia ligado nos últimos cinqüenta dias. Ninguém se interessava em saber notícias, mal sabiam que a morte havia marcado data. Seu fim era sem família e sem amigos. Justamente por isso quis se trancar em casa.
Ainda com seu celular, colocou sua música preferida para tocar. Fechou os olhos. Sua boca abria para cantar as melodias da canção. Uma forte dor veio em sua cabeça. Sentiu uma tontura e um peso na testa. Passou. Ainda não era hora de morrer. Desligou a música e levantou-se. Foi em direção a sala com muita dificuldade, já estava cambaleando e tropeçando durante o andar.
Chegando ao fim do corredor, se deparou com a prateleira de porta-retratos. Havia poucos porta-retratos, muito poucos para alguém de trinta anos, apenas quatro. No primeiro, a foto de sua velha mãe e seu velho pai segurando-lhe a mão quando criança. Haviam falecido há muitos anos e nada deixaram de herança. No segundo porta-retrato, uma foto do dia em que se formou, estava no canto da turma, triste e solitário, enquanto os colegas sorriam e se divertiam. A foto de seu desaparecido cachorro estava no terceiro porta-retrato. Estranho era seu caso, desaparecera no mesmo dia em que o homem recebeu a notícia de seu tumor. Talvez o animal soubesse que o dono entraria em uma horrível depressão e depois o deixaria. No quarto e último porta-retrato estava a foto de sua falecida esposa, morrera num acidente de carro. Depois disto, o homem nunca mais soube amar outra pessoa. Poucos retratos para poucas lembranças.
Um suspiro deu ao lembrar-se de todos que perdeu. A dor de antes voltara, mas agora com mais intensidade. Parecia que sua cabeça gemia de dor. Com o pouco de esforço que lhe restava foi caminhando até o centro da sala. Lágrimas saiam de seus olhos e caiam no tapete de veludo. Não estava mais agüentando. A dor estava penetrando sua alma, quando, de repente, viu uma luz muito forte vinda de um canto da sala. Era radiante e acalmou o coração do homem. Envolto numa sombra, da luz, um anjo veio caminhando. Era belo e possuía duas longas asas que realçavam sua divindade. Ele se aproximou do homem.
– Chegastes o teu momento. – disse o anjo.
O homem o olhou com um olhar triste e infeliz. Uma última lágrima caiu de seu rosto e se esvaeceu no tapete. Lembranças, muito poucas, corriam em seus pensamentos.
– Por que devo ir? – perguntou o homem.
– Todos têm de ir um dia. Seu dia é hoje, o dia que darás adeus a este mundo mortal.
– Mas, por que tão cedo? Não vivi nem metade de minha vida. – ponderou o homem.
– Não sei. Ninguém sabe. O porquê é um mistério além de nossa compreensão. – disse ele. – Continuarás relutando ou aceitará teu destino?
– Não mereço nem mesmo uma segunda chance? – insistiu o homem.
– Todos nós temos uma segunda chance. Além desta vida, virá outra e depois mais outras até que os dias se findem no espaço e o tempo se perca no infinito.
O homem nada respondeu. O seu destino era morrer naquele momento, mas como seria depois que morresse, ele não sabia. Simplesmente abaixou sua cabeça. O anjo se aproximou e tocou sua mão, o toque era frio e gentil. O homem soltou um suspiro e fechou os olhos. Quando os abriu, o anjo não estava mais lá, apenas o escuro da sala podia se enxergar. Não tinha sentido nada depois do toque, apenas percebeu que a dor havia passado totalmente. Ainda estava de pé, no mesmo lugar. Pensou que tudo poderia ser apenas um sonho, mas o inesperado aconteceu: viu ele mesmo caindo no chão, de costas, exibindo o belo casaco de pele, a cabeça ficou de lado com a boca aberta e os olhos fechados, uma cena triste era aquela. Um grito ele soltou de espanto, pois não sabia como ele poderia estar se enxergando cair morto no chão se estava em pé, os pés dos dois se encontravam, como se o morto tivesse saído do vivo, mas parecia que o pé do homem de pé atravessava o do homem deitado.
De súbito, uma mão encostou-se ao ombro do homem de pé. Era um toque familiar. Com medo, o homem não se virou, até que escutou um latido vindo de trás que reconhecera muito bem, então se virou e espantou-se com a cena. A mão que segurava o ombro era de sua mulher, estava tão bonita quanto antes. Do lado dela, estava seu cachorro, com a língua para fora, esperando um carinho. Um pouco mais atrás estavam seus pais, dois velhinhos muito simpáticos e com enormes sorrisos nos rostos. Todos estavam vestidos de branco e quando percebeu, também estava. O homem abraçou todos e fez um carinho dócil ao seu cachorro. Depois, todos se deram as mãos e juntos, caminharam para eternidade.
Fim
Pedro Viana